NO
MÊS DO CACHORRO LOUCO
João
Eichbaum
Com
tanta galhofa se espalhando país afora por conta dos últimos
acontecimentos, é impossível não lembrar o “samba do crioulo doido”. De Sérgio
Porto, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, o samba é uma peça antológica
das paródias brasileiras.
Para
quem não o conhece, a letra do "samba do crioulo doido" é prenhe de
humor, um humor cheio de bossa e de malícia, focando a sabedoria do ignorante.
Mostra o estelionatário cultural, o cara sem noção, que trata de um tema que
não domina - a história do Brasil no caso - e provoca a maior confusão. Começa
assim: “foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina,
arresolveu se casá”. Os versos finais fecham com a constatação de que "a
Leopoldina virou trem, e Dom Pedro é uma estação também”.
A
melodia desafinada do STF, nas sessões de julgamento do “mensalão”, por
exemplo, longe de me arrancar pensamentos sobre a ressurreição do demônio, me
atiça a lembrança do samba de Sérgio Porto. Para quem espera o melhor da cena
judiciária, aquele espetáculo provoca desalento, à conta da performance
dos artistas.
Os
"embargos declaratórios" acabaram mostrando muitas fraquezas do
sistema judiciário. O Supremo Tribunal Federal está mais perdido do que "pum"
em bombacha, como diria a Barbara Gancia.
Por exemplo, sabe lá o que é um juiz botar alguém nas grades,
sem dizer por quanto tempo o cara só vai ter alegria no dia das "visitas
íntimas"?
O
ex-ministro Ayres Brito, aquele de fala mansa de avô, pensamento de poeta e
cara de guru indiano, que só tirou as nádegas da cadeira presidencial quando
notou que elas, as ditas nádegas, poderiam servir como alvo do pontapé
constitucional dos setenta anos, votou, condenando alguns réus. Mas, seu voto
condenatório ficou pela metade: vai em cana, mas não sei por quanto tempo. E se
mandou pro Piauí.
Semana
passada, os advogados queriam a anulação desse voto capenga. Sem saber o que
fazer com a criança, o Supremo, através de seus juízes "de notório saber
jurídico e ilibada conduta", não disse nada, mas manteve ilibado, como
antiga virgem, o voto do Ayres Brito.
Mas
tem mais horrores jurídicos nesse processo que lembra o “samba do crioulo
doido”. Advogados usam embargos declaratórios para pedir substituição de
relator, para alegar incompetência da Corte, para botar no acórdão até os
suspiros e arrotos dos ministros, para pedir diminuição de pena. E os ministros
concedem “habeas corpus” de ofício contra eles mesmos, mandando tirar da
denúncia, que o STF recebera, o crime de formação de quadrilha, atribuído a um
dos réus. E usam o falso argumento da “preclusão” para rejeitar a contradição
flagrada no acórdão, concedendo para um réu o direito à jurisdição comum, que
negara para outros.
Tudo
isso sem falar nos votos dos novos ministros nos “embargos declaratórios”. Como
é que alguém pode esclarecer o que foi dito por outrem? Como é que alguém pode
desdizer o que não disse?
É como chamar para bater pênalti o cara que
nem no banco estava.
Enfim,
depois daquela fase entediante das leituras monocórdicas de votos, temos agora,
neste mês do cachorro louco, a fase quente da armação de barraco, “retira o que
tu disse”, “não retiro”, o jogo terminando antes dos noventa, e as ministras
assustadas, com aquela carinha de quem tem medo de homem que bate em mulher.
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