quarta-feira, 21 de agosto de 2013

NO MÊS DO CACHORRO LOUCO

João Eichbaum


Com tanta galhofa se espalhando país afora por conta dos últimos acontecimentos, é impossível não lembrar o “samba do crioulo doido”. De Sérgio Porto, sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, o samba é uma peça antológica das paródias brasileiras.
Para quem não o conhece, a letra do "samba do crioulo doido" é prenhe de humor, um humor cheio de bossa e de malícia, focando a sabedoria do ignorante. Mostra o estelionatário cultural, o cara sem noção, que trata de um tema que não domina - a história do Brasil no caso - e provoca a maior confusão. Começa assim: “foi em Diamantina, onde nasceu JK, que a princesa Leopoldina, arresolveu se casá”. Os versos finais fecham com a constatação de que "a Leopoldina virou trem, e Dom Pedro é uma estação também”.
A melodia desafinada do STF, nas sessões de julgamento do “mensalão”, por exemplo, longe de me arrancar pensamentos sobre a ressurreição do demônio, me atiça a lembrança do samba de Sérgio Porto. Para quem espera o melhor da cena judiciária, aquele espetáculo provoca desalento, à conta da performance dos artistas.
Os "embargos declaratórios" acabaram mostrando muitas fraquezas do sistema judiciário. O Supremo Tribunal Federal está mais perdido do que "pum" em bombacha, como diria a Barbara Gancia. Por exemplo, sabe lá o que é um juiz botar alguém nas grades, sem dizer por quanto tempo o cara só vai ter alegria no dia das "visitas íntimas"?
O ex-ministro Ayres Brito, aquele de fala mansa de avô, pensamento de poeta e cara de guru indiano, que só tirou as nádegas da cadeira presidencial quando notou que elas, as ditas nádegas, poderiam servir como alvo do pontapé constitucional dos setenta anos, votou, condenando alguns réus. Mas, seu voto condenatório ficou pela metade: vai em cana, mas não sei por quanto tempo. E se mandou pro Piauí.
Semana passada, os advogados queriam a anulação desse voto capenga. Sem saber o que fazer com a criança, o Supremo, através de seus juízes "de notório saber jurídico e ilibada conduta", não disse nada, mas manteve ilibado, como antiga virgem, o voto do Ayres Brito.
Mas tem mais horrores jurídicos nesse processo que lembra o “samba do crioulo doido”. Advogados usam embargos declaratórios para pedir substituição de relator, para alegar incompetência da Corte, para botar no acórdão até os suspiros e arrotos dos ministros, para pedir diminuição de pena. E os ministros concedem “habeas corpus” de ofício contra eles mesmos, mandando tirar da denúncia, que o STF recebera, o crime de formação de quadrilha, atribuído a um dos réus. E usam o falso argumento da “preclusão” para rejeitar a contradição flagrada no acórdão, concedendo para um réu o direito à jurisdição comum, que negara para outros.
Tudo isso sem falar nos votos dos novos ministros nos “embargos declaratórios”. Como é que alguém pode esclarecer o que foi dito por outrem? Como é que alguém pode desdizer o que não disse?
 É como chamar para bater pênalti o cara que nem no banco estava.
Enfim, depois daquela fase entediante das leituras monocórdicas de votos, temos agora, neste mês do cachorro louco, a fase quente da armação de barraco, “retira o que tu disse”, “não retiro”, o jogo terminando antes dos noventa, e as ministras assustadas, com aquela carinha de quem tem medo de homem que bate em mulher.


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