O “BIG BROTHER” DO MENSALÃO
João Eichbaum
Não é necessário nenhum
estudo especial da natureza, para saber como funciona a Justiça. Basta se
espichar no sofá e clicar no controle remoto, ordenando que compareça na tela a
TV que transmite o “reality show” do Mensalão.
Ali as criaturas
humanas se desnudam e ficam só de toga. Mas a toga revela o homem. Ela faz a
ecografia da alma humana, mostrando como se comportam no Olimpo as criaturas,
longe do suor mortal dos que lutam para sobreviver sem ar condicionado.
Ali se vê que a Justiça
não passa de um espetáculo estrelado por bípedes falantes, que expõem todos os
ingredientes de que são temperados pela natureza, para que ninguém se iluda:
soltam puns e perdigotos, não conseguem dominar as exigências da bexiga cheia,
nem dos intestinos em trabalho de expedição de resíduos inaproveitáveis e são,
como todo mundo, escravos da vaidade e da ira, do amor próprio e dos impulsos
animais liberados pelo intelecto.
Ali se vê o primata em
algumas de suas muitas variações. O quietão, só na dele, esperando a vez, sem
provocar a ninguém, exatamente para não ser provocado. O macambúzio, que não
domina os bocejos, e parece ficar ruminando desencantos passados. O debochado, que
não tira o risinho maroto da cara e espera a bola picar na frente dele, para
dar chutão pra tudo quanto é lado. Distintas madames, recatadas, sem arroubos,
que, para não comprometerem sua feminilidade, guardam distância regulamentar de
bate-bocas de alta voltagem. O iracundo, o exaltado, que jamais desanuvia com
um sorriso seu malestar contra o mundo e contra a natureza ingrata que o
molesta na hora e no lugar errados. O professor convencido, que descola do
dicionário os melhores vocábulos para fazer boa figura em prolixas lições, a
fim de suprir as diminuídas luzes de sabedoria da platéia e dos
telespectadores. E também para fazer uso do chicote moral com que
vergasta aqueles que se atrevem a se contrapor a usos e costumes. O bom moço,
que não ofende a ninguém, mas que também não é contra nem a favor de quem quer
que seja, muito antes, pelo contrário. O que se esforça para ser magistrado, a
fim de esconder a vergonha de estar ali, trazido pela mão constrangedora do
apadrinhamento político. O que se exaspera para se livrar do processo e o que
se exalta para dizer que faz justiça. O que senta em cima de processo de pobre,
que não dá audiência, e vem fazer pose em cima de processo de rico, para
mostrar quão poderosa é a Justiça
Não é exatamente ali
que se encontra sabedoria sem rebuscamento, bom senso sem egoísmo, equilíbrio
sem rupturas. Mas é ali que se constrói o mais fundo sentimento de pesadelo
para alguns e o de vergonhosa vitória para outros.
“Suum cuique tribuere”.
Era assim que os romanos conceituavam a Justiça. E assim é, realmente. Os
homens encarregados de fazer justiça, e que são pagos com o dinheiro da
caixinha onde depositamos o fruto do nosso trabalho, assim agem. Dão “a cada um
o que é seu”. Mas o “seu” é o deles, o que eles amealharam com a fama bem
espalhada, a cultura radiante, ou simplesmente com a oração de São Francisco.
Isso é o patrimônio intelectual e moral deles, construído com taxas variáveis
de frustrações e afirmações, mas muito mais sucessos do que tropeços, desde que
rebentou no mundo a notícia de seu notório saber jurídico e de uma conduta tão
ilibada quanto a de uma virgem.
Essa é a Justiça da TV,
que não é a do cotidiano. A do cotidiano não é esse “reality show”. É
descolorida. E só os estagiários sabem como ela é feita.
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