quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O “BIG BROTHER” DO MENSALÃO
João Eichbaum

Não é necessário nenhum estudo especial da natureza, para saber como funciona a Justiça. Basta se espichar no sofá e clicar no controle remoto, ordenando que compareça na tela a TV que transmite o “reality show” do Mensalão.
Ali as criaturas humanas se desnudam e ficam só de toga. Mas a toga revela o homem. Ela faz a ecografia da alma humana, mostrando como se comportam no Olimpo as criaturas, longe do suor mortal dos que lutam para sobreviver sem ar condicionado.
Ali se vê que a Justiça não passa de um espetáculo estrelado por bípedes falantes, que expõem todos os ingredientes de que são temperados pela natureza, para que ninguém se iluda: soltam puns e perdigotos, não conseguem dominar as exigências da bexiga cheia, nem dos intestinos em trabalho de expedição de resíduos inaproveitáveis e são, como todo mundo, escravos da vaidade e da ira, do amor próprio e dos impulsos animais liberados pelo intelecto.
Ali se vê o primata em algumas de suas muitas variações. O quietão, só na dele, esperando a vez, sem provocar a ninguém, exatamente para não ser provocado. O macambúzio, que não domina os bocejos, e parece ficar ruminando desencantos passados. O debochado, que não tira o risinho maroto da cara e espera a bola picar na frente dele, para dar chutão pra tudo quanto é lado. Distintas madames, recatadas, sem arroubos, que, para não comprometerem sua feminilidade, guardam distância regulamentar de bate-bocas de alta voltagem. O iracundo, o exaltado, que jamais desanuvia com um sorriso seu malestar contra o mundo e contra a natureza ingrata que o molesta na hora e no lugar errados. O professor convencido, que descola do dicionário os melhores vocábulos para fazer boa figura em prolixas lições, a fim de suprir as diminuídas luzes de sabedoria da platéia e dos telespectadores.  E também para fazer uso do chicote moral com que vergasta aqueles que se atrevem a se contrapor a usos e costumes. O bom moço, que não ofende a ninguém, mas que também não é contra nem a favor de quem quer que seja, muito antes, pelo contrário. O que se esforça para ser magistrado, a fim de esconder a vergonha de estar ali, trazido pela mão constrangedora do apadrinhamento político. O que se exaspera para se livrar do processo e o que se exalta para dizer que faz justiça. O que senta em cima de processo de pobre, que não dá audiência, e vem fazer pose em cima de processo de rico, para mostrar quão poderosa é a Justiça
Não é exatamente ali que se encontra sabedoria sem rebuscamento, bom senso sem egoísmo, equilíbrio sem rupturas. Mas é ali que se constrói o mais fundo sentimento de pesadelo para alguns e o de vergonhosa vitória para outros.
“Suum cuique tribuere”. Era assim que os romanos conceituavam a Justiça. E assim é, realmente. Os homens encarregados de fazer justiça, e que são pagos com o dinheiro da caixinha onde depositamos o fruto do nosso trabalho, assim agem. Dão “a cada um o que é seu”. Mas o “seu” é o deles, o que eles amealharam com a fama bem espalhada, a cultura radiante, ou simplesmente com a oração de São Francisco. Isso é o patrimônio intelectual e moral deles, construído com taxas variáveis de frustrações e afirmações, mas muito mais sucessos do que tropeços, desde que rebentou no mundo a notícia de seu notório saber jurídico e de uma conduta tão ilibada quanto a de uma virgem.
Essa é a Justiça da TV, que não é a do cotidiano. A do cotidiano não é esse “reality show”. É descolorida. E só os estagiários sabem como ela é feita.



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