TRUCULÊNCIA
João Eichbaum
Ante-ontem, no aeroporto de Cumbicas, a jovem Thaís
Buratto da Silva, de 24 anos, foi impedida de embarcar num avião da Qatar
Airways graças a uma piada de seu pai. Depois de assistir sua filha ser
indagada sobre o conteúdo da bagagem, o economista Renato Camargo da Silva,
teria dito, em tom de brincadeira: “que bom que não acharam que você era
terrorista”.
Pronto, deu. Foi o bastante para ambos serem retirados
da fila e informados por funcionários da companhia de que ela não poderia
embarcar devido a motivos de segurança.
Recém-formada em gestão ambiental pela USP, Thaís iria
pegar o voo 922 da Qatar Airways com destino a Bali, na Indonésia, para
participar do 6º Congresso anual da "Parceria dos Serviços
Ecossistêmicos". As passagens dela foram pagas pela Universidade de São
Paulo, onde a moça havia concluído o curso de graduação.
Thaís iria apresentar seu trabalho de conclusão de
curso sobre o custo-benefício da implementação de novas hidrelétricas no rio
Tapajós.
Acontece que, embora fosse a Indonésia o destino da
moça, o vôo previa escala em Doha, no Katar.
O Katar, para quem não sabe, é um país rico, cheio de
pobres. É rico porque tem petróleo, mas não tem governo. Tem donos, isso sim:
uma família, em cuja história se conta que um pai foi destituído pelo filho corrupto. Enfim,
revezamento de moscas e a mesma merda, explorando a mão de obra de imigrantes
paquistaneses e indianos.
O Brasil, para quem não sabe, é um país onde se tem
plena liberdade de ir e vir e onde cada cidadão têm seus direitos protegidos
pela Constituição Federal.
Uma aeronave, desde que não seja propriedade estatal e
com finalidades próprias do Estado “se sujeita às leis do Estado em que se
encontra”. Essa norma está prevista no parágrafo único do artigo 3º do Código
Aeronáutico. Contra ela não prevalecem as "normas internacionais" de segurança. No chão, dentro do aeroporto brasileiro, o que impera é a lei brasileira. Se assim não é, diga-se adeus à soberania, e tirem-se as calças e as calcinhas para os americanos.
A jovem Thaís, portanto, foi vítima de um crime
praticado por funcionários da empresa dentro do território brasileiro: constrangimento
ilegal, tipificado no artigo 146 do Código Penal. Ela foi impedida de exercer a
sua liberdade de ir e vir, sem poder opor qualquer resistência, porque
simplesmente lhe negaram o “check in”.
Mesmo que obtivesse uma liminar na justiça, estaria
sujeita a ser deportada quando pusesse os pés no Katar.
Mas para Thaís, certamente, será como ganhar numa
loteria – se é que isso serve de consolo. O Katar tem dinheiro. Além do crime,
é patente a ofensa ao Código do Consumidor, art. 18, inc.II.
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