terça-feira, 6 de dezembro de 2011

MORTE DE SÓCRATES

Janer Cristaldo

Ouvindo-o, Critão fez sinal ao menino que se encontrava mais perto. Este saiu e voltou pouco depois em companhia do encarregado de lhe dar o veneno, que já o trazia espremido na taça. Ao ver o homem, Sócrates perguntou-lhe:
- E agora, meu caro: já que entendes destas coisas, que precisarei fazer?
- Nada mais, respondeu, do que andar depois de beber, até sentires peso nas pernas, e em seguidas deitar-te. Assim o veneno atuará.
Depois dessas palavras, estendeu a Sócrates a taça, que a tomou das mãos dele com toda a tranquilidade, sem o menor tremor nem alteração da cor ou das feições.
Mirando por baixo o homem, com aquele seu olhar de touro, perguntou-lhe:
- Que me dizes? E se eu fizesse uma libação com um pouquinho disto aqui? É permitido ou não?
- Só preparamos, Sócrates, respondeu, a quantidade que nos parece suficiente.
- Compreendo, retrucou. Mas pelo menos é permitido, e até um dever, pedir aos deuses que façam feliz a passagem deste mundo para o outro. É o que peço. Prouvera que me atendam!
Depois de assim falar, levou a taça aos lábios e com toda a naturalidade, sem vacilar um nada, bebeu até à última gota. Até esse momento, quase todos tínhamos conseguido reter as lágrimas; porém quando o vimos beber e que havia bebido tudo, ninguém mais aguentou. Eu também não me contive: chorei à lágrima viva. Cobrindo a cabeça, lastimei o meu infortúnio; sim, não era por desgraça que eu chorava, mas a minha própria sorte, por ver de que espécie de amigo me veria privado. Critão levantou-se antes de mim, por não poder reter as lágrimas. Apolodoro, que desde o começo não havia parado de chorar, pôs-se a urrar, comovendo seu pranto e lamentações até o íntimo todos os presentes, com exceção do próprio Sócrates.
- Que é isso, gente incompreensível? perguntou. Mandei sair as mulheres, para evitar esses exageros. Sempre soube que só se deve morrer com palavras de bom agouro. Acalmai-vos! Sede homens!Ouvindo-o falar dessa maneira, sentimo-nos envergonhados e paramos de chorar.
E ele, sem deixar de andar, ao sentir as pernas pesadas, deitou-se de costas, como recomendara o homem do veneno. Este, a intervalos, apalpava-lhe os pés e as pernas. Depois, apertando com mais força os pés, perguntou se sentia alguma coisa. Respondeu que não. Em seguida, sem deixar de comprimir-lhe a perna, do artelho para cima, mostrou-nos que começava a ficar frio e a enrijecer. Apalpando-o mais uma vez, declarou-nos que no momento em que aquilo chegasse ao coração, ele partiria. Já se lhe tinha esfriado quase todo o baixo-ventre, quando, descobrindo o rosto – pois o havia tapado antes – disse, e foram suas últimas palavras:
- Critão, exclamou, devemos um galo a Asclépio. Não te esqueças de saldar essa dívida!
- Assim farei, respondeu Critão, vê se queres dizer mais alguma coisa.A essa pergunta, já não respondeu.
Decorrido mais algum tempo, deu um estremeção. O homem o descobriu; tinha o olhar parado. Percebendo isso, Critão fechou-lhe os olhos e a boca.
- Tal foi o fim do nosso amigo, Equécrates, do homem, podemos afirmá-lo, que entre todos os que nos foi dado conhecer, era o melhor e também o mais sábio e mais justo.
* In Fédon, de Platão

Um comentário:

Gigi disse...

Um texto maravilhoso, eterno.