MINÚSCULO ENSAIO SOBRE
A INJUSTIÇA
João Eichbaum
Carregando nos erres e
enfileirando sinônimos, Celso de Mello caminhava serenamente na contramão do
arrastão popular. A turba lhe exigia uma atitude de Pilatos: que lhe entregasse
o Zé Dirceu e outros para um julgamento sumário e único, já que o Barrabás do
mensalão havia sido livrado pelo Ministério Público. Enquanto isso, um dos réus
denunciados pelo assassinato da missionária Dorothy Stang, estava sendo
submetido ao quarto julgamento pelo Tribunal do Júri – e ninguém reclamava.
Por que essa diferença?
Por que uns, segundo exaltadas exigências, devem ser julgados uma única vez,
sem direito a recursos, enquanto outros podem recorrer quantas vezes quiserem?
Por que é mesmo que o
iletrado Barrabás do mensalão ficou fora dessa e agora, rico, anda pelo mundo
como um evangelista das melhores obras, a peso de dólares e voando em jatinhos
particulares, ensinando como se faz um povo feliz?
Por isso, porque
vivemos num país de paradoxos, evasivas e injustiças.
Os políticos
profissionais fazem das suas, mamam desavergonhadamente nas tetas da República
nova, como mamavam nas tetas da República velha, viajam, comem, bebem, transam,
gozam e se refestelam à nossa custa. Apesar disso, continuam sendo eleitos como
se servissem de paradigmas para a moral e os bons costumes, sem que o
Ministério Público, a Polícia Federal ou seja lá quem for se importe com isso.
Mas o país inteiro queria que o Celso de Mello declarasse que não existem
embargos infringentes coisa nenhuma, fecho com vocês, com a voz do povo que é a
voz de Deus, e botasse o Zé Dirceu, o Delúbio e o Genoíno na cadeia.
Nessa imensa colcha de
retalhos chamada Brasil, não há suporte para um surto unânime de moralidade
contra o espetáculo da corrupção, mergulhado em “suspense’ pouco antes do
capítulo final, por uns tais de embargos infringentes. Quando todo mundo
esperava o final feliz, com os malfeitores na cadeia, surgem no “script” esses
personagens indesejáveis, os embargos, por obra do Celso de Mello. A partir daí
se espalhou pelo país inteiro um sentimento de revolta contra essa “injustiça”,
como se fosse a única praticada na Corte, em toda a sua história.
Mas, não. Não é
exatamente assim. Vivemos no país das injustiças, sob uma Constituição que só
protege a quem pode ir até o Supremo Tribunal Federal com algum tema que esteja
à altura da vaidade dos ministros, os tais que têm em si o melhor dos outros.
Há um abismo que separa a educação dos ricos e a dos pobres, o tratamento de
saúde dos pobres e o dos ricos, com o Sírio Libanês para esses e o SUS para
aqueles, o direito à justiça, que tem na ponta de baixo a Defensoria Pública e
na ponta de cima os grandes escritórios de advocacia.
No mais, o povo que se
contente com sonhos, como aquele desenhado no art. 7º, inc. IV, da Constituição
do Ulysses Guimarães, tendo como destinatário o trabalhador (não o cupim do
bolsa-família, que só consome, mas o que faz o PIB crescer): “salário mínimo
nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e
às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário,
higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe
preservem o poder aquisitivo...”
Para refrescar a
memória de vocês: todas essas mordomias por R$ 678,00 ao mês...
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