MAPA DA HUMANIDADE –II
João Eichbaum
Quatrocentos anos antes de Cristo,
nascia em Kos, então dominada pelos heroicos espartanos, aquele que seria o
primeiro médico do mundo, Hipócrates. Kos, uma paradisíaca ilha grega, com
menos de 40.000 habitantes, hoje é a atração de ricos e abonados turistas, que
lá atracam seus luxuosos barcos, seus magníficos iates, para desfilar com
esplendorosas mulheres.
Foi partindo dessa ilha que, no dia 20
de setembro passado, enquanto a gauchada, pisoteando barro e bosta de cavalo no
Parque da Harmonia, festejava supostas e modelares façanhas, Letícia Duarte
começava a contar a história de gente que, se esgueirando da morte, buscava a
aurora precursora da liberdade na Alemanha.
Nesse dia, havia mais barracas de lonas
colorindo a praia de Kos, do que embarcações de luxo, balouçando no cais. Havia
mais gente assustada e infeliz, pedindo a proteção de Alá para outra viagem na
direção do desconhecido, que turistas gozando a vida. Os sobressaltos da
travessia do mar haviam vencido. Mas tinham pela frente a travessia dos homens.
Antes de se integrar a um grupo liderado
por Ghazi Alissa, que encetara a fuga, levando a mulher e dois filhos pequenos,
Letícia testemunhou bons modos da humanidade. Prestimosos habitantes de Kos distribuíam
roupas, calçados, alimentos, cobertas e barracas de lona para quem encontravam
ao relento.
A missão de Letícia era se enturmar com
os infelizes, que fugiam da guerra, da morte por degola, da amputação dos dedos
por fumarem em público, da falta de perspectivas na vida. Em sua pauta, ainda
que ela não o quisesse, o tema dominante era a frustração, a angústia e o medo
daquela gente. Mesmo assim, os viu sorrir e dançar muitas vezes. E fumar,
também.
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