quarta-feira, 28 de outubro de 2015

MAPA DA HUMANIDADE –II

João Eichbaum

Quatrocentos anos antes de Cristo, nascia em Kos, então dominada pelos heroicos espartanos, aquele que seria o primeiro médico do mundo, Hipócrates. Kos, uma paradisíaca ilha grega, com menos de 40.000 habitantes, hoje é a atração de ricos e abonados turistas, que lá atracam seus luxuosos barcos, seus magníficos iates, para desfilar com esplendorosas mulheres.

Foi partindo dessa ilha que, no dia 20 de setembro passado, enquanto a gauchada, pisoteando barro e bosta de cavalo no Parque da Harmonia, festejava supostas e modelares façanhas, Letícia Duarte começava a contar a história de gente que, se esgueirando da morte, buscava a aurora precursora da liberdade na Alemanha.

Nesse dia, havia mais barracas de lonas colorindo a praia de Kos, do que embarcações de luxo, balouçando no cais. Havia mais gente assustada e infeliz, pedindo a proteção de Alá para outra viagem na direção do desconhecido, que turistas gozando a vida. Os sobressaltos da travessia do mar haviam vencido. Mas tinham pela frente a travessia dos homens.

Antes de se integrar a um grupo liderado por Ghazi Alissa, que encetara a fuga, levando a mulher e dois filhos pequenos, Letícia testemunhou bons modos da humanidade. Prestimosos habitantes de Kos distribuíam roupas, calçados, alimentos, cobertas e barracas de lona para quem encontravam ao relento.

A missão de Letícia era se enturmar com os infelizes, que fugiam da guerra, da morte por degola, da amputação dos dedos por fumarem em público, da falta de perspectivas na vida. Em sua pauta, ainda que ela não o quisesse, o tema dominante era a frustração, a angústia e o medo daquela gente. Mesmo assim, os viu sorrir e dançar muitas vezes. E fumar, também.



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