quinta-feira, 29 de outubro de 2015

O MAPA DA HUMANIDADE -III

João Eichbaum

Como instrumento do instinto de sobrevivência, a violência é comum a todos os animais. No homem, porém, ela extrapola os limites do espaço comum, utilizado pelo gênero animal, porque é guiada pela inteligência. Essa, por sua vez, é exacerbada pelo egoísmo.

Empurradas pelo egoísmo de seus líderes, duas forças se digladiam na Síria: os atuais governantes e o Estado Islâmico. No meio desse fogo cruzado fica o povo, que só quer estar de bem com a vida, orar, fumar e dançar. Detalhe: todos, governo, Estado Islâmico e povo se dizem filhos do mesmo Alá, a cujo profeta, Maomé, prestam reverência e cega veneração.

Parte desse povo, que só quer paz, teve que fugir da guerra. E se entregou inteiramente à sorte, para sobreviver à travessia do mar. Perdeu os bens, as raízes, muitos afetos, e confiou seu destino a quem vive de negócios que incluem o preço da vida.

Na fuga, encontrou quem lhe matasse a sede e a fome, quem lhe mitigasse o frio. Driblou o sono, embrenhado no escuro da noite, com medo dos macedônios cruéis, dos sérvios egoístas, dos croatas raivosos, dos húngaros desumanos, da soldadesca que só conhece o manual.

Perdeu a própria identidade, o orgulho, a autossuficiência, e se entregou à humilhação, como um animal enxotado. Só não abriu mão do fanatismo doentio que lhes implantou a religião de Maomé, sorvendo-a como uma substância sagrada que alegra a vida em qualquer circunstância.

 No rasto dessa fuga ordenada pelo desespero, figura a violência, a indiferença, a curiosidade, o aproveitamento pessoal, mas também uma quantidade inimaginável de seres humanos bons, inclusive de gente que não tem fé e se recusa a admitir a existência de qualquer deus. Essa é a humanidade, mapeada na reportagem de Letícia Duarte.


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