O MAPA DA HUMANIDADE -III
João Eichbaum
Como instrumento do instinto de sobrevivência,
a violência é comum a todos os animais. No homem, porém, ela extrapola os
limites do espaço comum, utilizado pelo gênero animal, porque é guiada pela
inteligência. Essa, por sua vez, é exacerbada pelo egoísmo.
Empurradas pelo egoísmo de seus líderes,
duas forças se digladiam na Síria: os atuais governantes e o Estado Islâmico.
No meio desse fogo cruzado fica o povo, que só quer estar de bem com a vida,
orar, fumar e dançar. Detalhe: todos, governo, Estado Islâmico e povo se dizem
filhos do mesmo Alá, a cujo profeta, Maomé, prestam reverência e cega
veneração.
Parte desse povo, que só quer paz, teve
que fugir da guerra. E se entregou inteiramente à sorte, para sobreviver à
travessia do mar. Perdeu os bens, as raízes, muitos afetos, e confiou seu
destino a quem vive de negócios que incluem o preço da vida.
Na fuga, encontrou quem lhe matasse a
sede e a fome, quem lhe mitigasse o frio. Driblou o sono, embrenhado no escuro
da noite, com medo dos macedônios cruéis, dos sérvios egoístas, dos croatas raivosos,
dos húngaros desumanos, da soldadesca que só conhece o manual.
Perdeu a própria identidade, o orgulho,
a autossuficiência, e se entregou à humilhação, como um animal enxotado. Só não
abriu mão do fanatismo doentio que lhes implantou a religião de Maomé, sorvendo-a
como uma substância sagrada que alegra a vida em qualquer circunstância.
No rasto dessa fuga ordenada pelo desespero,
figura a violência, a indiferença, a curiosidade, o aproveitamento pessoal, mas
também uma quantidade inimaginável de seres humanos bons, inclusive de gente
que não tem fé e se recusa a admitir a existência de qualquer deus. Essa é a humanidade, mapeada na reportagem de Letícia Duarte.
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