terça-feira, 27 de outubro de 2015

MAPA DA HUMANIDADE

João Eichbaum

Letícia Duarte é a prova mais concreta de que, além do poeta, do pintor e do escritor, o repórter também nasce. Repórter não se faz em faculdade, nem se credencia só pelo diploma. Fuçar e escrever, ao mesmo tempo, não é para qualquer um. Sem a prova de fogo no campo de reportagem, ninguém se transforma em repórter.

A reportagem intitulada “Refugiados – uma história”, assinada por Letícia Duarte, do jornal Zero Hora, faz lembrar o grande David Nasser,  repórter por excelência da imprensa brasileira. Nasser vivia e fazia o leitor viver suas reportagens. Letícia Duarte tem a mesma virtude.

De mochila nas costas, ela foi cumprir pauta no outro lado do Atlântico. Sozinha, porque, apertada nas finanças, a ZH não lhe deu fotógrafo. Sua missão foi acompanhar uma família síria, que, fugindo da guerra e das bestialidades dos energúmenos de Maomé, saiu em busca de um lugar para recomeçar sua história.

Com a família, Letícia viveu os horrores de uma fuga: as esperas sem fim por um destino improvável, as noites em claro, a fome, a sede, a solidariedade, o desprezo, o choro inconsolável de crianças, o desespero, os fios da esperança, o frio, o calor, a chuva, o medo, a desilusão, o cansaço e as lágrimas.

Ela percorreu o mapa da humanidade. E teve fôlego e capacidade suficientes para mostrar em sua reportagem o que e como são os homens. Venceu uma jornada de 2.590 quilômetros, atravessando, ora de ônibus, ora de trem, ora a pé, sete países, em oito dias. Nessa jornada, acima das circunstâncias de tempo, modo, lugar e acasos, se sobressaiu a figura humana.

 Personagem da novela da vida, o homem é o único animal que consegue atrair sentimentos contraditórios: do asco ao fascínio, passando pelo respeito; da misericórdia ao desprezo, passando pelo ódio. Esse é o retrato falado que brota da reportagem. Parabéns, Letícia.



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